terça-feira, 24 de agosto de 2010

O POETA DISSE ADEUS

No dia do lançamento do seu nono livro de poesia, Queiroz viu-se um pouco melancólico, pois havia um número inexpressivo de admiradores do seu mais novo trabalho literário. O dia seguinte foi ainda pior,já que as páginas culturais do diário o haviam “descascado”, pondo seu mais novo “filho” nas estantes da desonra. Como se já não bastasse a apatia geral relacionada à sua obra, um novo nome surgira, nos arautos poéticos da cidade. Miguel Araújo havia recém lançado seu primeiro livro e, justificadamente, pondo-se entre os melhores, a nível nacional. Queiroz deprimiu-se.
Um dia, no bar, embriagando-se para afogar as mágoas, aparece do nada, Miguel, acompanhado de duas senhoritas que se rendiam à fala doce do menestrel contemporâneo. Augusto Queiroz, em seus “dourados” vinte poucos anos também circulava por aí com belas senhoritas, mas agora, só e derrotado, lhe restara somente uma dor de cotovelo aguda por Miguel. O poeta notara a solidão do colega, e o chamou para que se juntasse a ele – “Venha Queiroz, está sobrando uma” – Queiroz, sentindo-se um pouco tripudiado, foi arrastando-se à mesa de Miguel. Queria saber o que aquele garoto, com pouco mais da metade da sua idade, tinha a dizer que ele já não havia dito. Ainda não tinha tido a audácia de ler o seu livro.
_ Meninas, esse é Augusto Queiroz, um dos poetas que influenciou o que escrevo, bem, (...) de uma forma ou outra, convenhamos. – Risos - Queiroz não quis entender o “de uma forma ou de outra”, mas viu-se provocado. Sentou-se, meio que sem jeito, e sentiu a frieza das duas que mal o cumprimentaram. -
_ Queiroz, um prazer tê-lo entre nós. Quer beber alguma coisa? Eu pago. Tenho grana agora, meu livro está saindo como água no deserto, as pessoas tinham sede Queiroz. – Sentiu um ódio profundo por Miguel, mas aceitou que lhe pagasse uma bebida:
_ uísque duplo, sem gelo. – O garçom trouxe. Queiroz tomou em um gole, olhou para a cara debochada de Miguel, e lançou: - O que você sabe sobre o que eu escrevo? Parece-me que você não tem muito respeito pelas pessoas que você “diz” ter sofrido influência.
_ Para lhe ser sincero Queiroz, li alguma coisa, há muito tempo atrás, mas não vi nada de impressionante, parecia a tudo que já havia visto, (...) faltava o novo, você sabe Queiroz o novo sempre vem. – As duas que estavam com Miguel riram pelos cantos, tentando esconder o deboche.
_ E você diz que trouxe o novo, é isso? Você não acha muita pretensão?
_ Queiroz, agora, eu lhe pergunto: Você já leu meu livro?
_ Não.
_ Leia, talvez você aprenda alguma coisa. – Sem titubear, Queiroz lançou-se a fim de aperta-lhe o pescoço, mas Miguel, mais jovem e mais disposto, livrou-se rápido da investida de Queiroz e lhe acertou o estômago com tamanha força que demorou a Queiroz recuperar-se. Ainda caído, levou alguns humilhantes chutes traseiro antes de Miguel sair porta afora rindo. – Triste e desonrado, Queiroz foi para casa. Antes, comprou uma garrafa.
Alguns dias depois, Queiroz ainda não havia saído de casa. Não tinha coragem de por a cara para fora depois da humilhação sofrida por Miguel, mas soube através de um dos poucos amigos que sobrara, o fim dramático do poeta que se afogara em seu próprio vômito após uma semana gabando-se de si mesmo e bebendo como um louco. Mas o que trouxe a morte a Miguel foi o “pico” que tomara desmedidamente, sem prever as conseqüências. A dose foi mortal.
Depois do fato, Queiroz leu o famigerado livro de Miguel e voltou a escrever como louco.“Tenho que admitir: Muito bom.” - Disse mordendo os lábios. Influenciado, lançou seu novo trabalho no mesmo ano da morte de Miguel, que todos já haviam esquecido. “É obra prima” agora diziam as páginas culturais a respeito de seu novo livro. Augusto Queiroz foi visto desfilando com as mesmas duas que estavam com Miguel, antes da sua morte.

Marcos Barreto

2 comentários:

  1. O POETA DISSE ADEUS

    No dia do lançamento do seu nono livro de poesia, Queiroz viu-se um pouco melancólico. Quase ninguém apareceu. O dia seguinte foi ainda pior, pois as páginas culturais o "descascaram", pondo seu mais novo “filho” nas estantes da desonra. Como se já não bastasse a apatia e o desprezo à sua obra, um novo nome surgira, anunciado pelos arautos poéticos da cidade. Miguel Araújo havia recém lançado seu livro e, justificadamente ou não, colocara-se entre os melhores, em nível nacional. Queiroz deprimiu-se ainda mais.

    Outro dia, num bar, embriagando-se para afogar as mágoas, Queiroz vê Miguel aparecer do nada, acompanhado de duas senhoritas, que se rendiam à fala doce do novo menestrel. Em seus “dourados” vinte e poucos anos, Augusto Queiroz também circulara com belas senhoritas, mas agora, só e derrotado, restava-lhe uma dor de cotovelo aguda pelo sucesso de Miguel. Este notou a solidão do colega, e o chamou: “Venha Queiroz, está sobrando uma...”

    Sentindo-se tripudiado, Queiroz arrastou-se à mesa de Miguel. Queria saber o que aquele garoto com pouco mais da metade da sua idade tinha a dizer que ele já não houvesse dito. Ainda não tivera coragem de ler o livro do garoto.

    – Meninas, esse é Augusto Queiroz, um dos poetas que influenciou o que escrevo... Influenciou duma forma ou de outra, convenhamos...

    Risos. Queiroz não quis entender o “duma forma ou de outra”, mas se sentiu provocado. Sentou-se meio que sem jeito, e experimentou a frieza das duas, que mal o cumprimentaram.

    – Queiroz, é um prazer. Quer beber alguma coisa? Pode deixar que eu pago. Meu livro está saindo como água no deserto. Acho que as pessoas tinham sede, Queiroz.

    Ele sentiu um ódio profundo por Miguel, mas aceitou que lhe pagasse uma bebida:

    – Uísque duplo, sem gelo.

    O garçom trouxe o uísque. Queiroz bebeu num gole só, olhou pra cara debochada de Miguel, e lançou:

    – O que você sabe sobre o que eu escrevo? Parece que não tem muito respeito pelas pessoas que diz serem a sua influência.

    – Pra ser sincero, Queiroz, li alguma coisa, há muito tempo atrás, mas não vi nada de impressionante. Parecia com tudo que eu já havia lido... Faltava o novo, e você sabe, Queiroz, o novo sempre vem.

    As duas com Miguel sorriram pelos cantos, tentando esconder o deboche.

    – E você que trouxe o novo, é isso? Não acha que é muita pretensão?

    – Queiroz, então agora eu que pergunto: você já leu meu livro?

    – Não.

    – Leia. Talvez você aprenda alguma coisa.

    Sem titubear, Queiroz se lançou a esganá-lo, mas Miguel, mais jovem e disposto, livrou-se rápido da investida, e golpeou com força o estômago do colega. Caído, Queiroz levou mais dois ou três humilhantes chutes no traseiro. Miguel e companhia saíram do bar, rindo.

    Queiroz foi pra casa. Antes, comprou uma garrafa.

    Depois desse incidente, Queiroz passou dias sem sair de casa. No entanto, tomou conhecimento, por um dos poucos amigos que lhe sobrara, do fim dramático do jovem poeta Miguel, que se afogara no próprio vômito, após uma semana gabando-se de si mesmo e bebendo como um louco. O que realmente o matara havia sido um “baque” injetado sem prever as consequências. Uma dose mortal.

    Depois disso, Queiroz leu o livro de Miguel e voltou a escrever, furiosamente.

    – Tenho que admitir: a poesia de Miguel é excelente – dizia aos amigos e aos conhecidos.

    Influenciado, no mesmo ano da morte de Miguel(que já estava caindo no esquecimento geral), Queiroz lançou seu novo trabalho.

    “Obra prima”, qualificaram as páginas culturais.

    E Augusto Queiroz foi visto desfilando com aquelas mesmas duas senhoritas que acompanhavam Miguel, antes da morte do jovem poeta.

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  2. Marcos:

    desculpe-me por ter postado em comentário direto o seu texto, conforme revisado por mim - talvez eu tenha interferido demais, mas confio que você pode aproveitar pra fazer o confronto com sua produção original e observar os pontos em que achei cabível aperfeiçoar - meu email é ivanjusten@gmail.com - mande uma mensagem,pra eu saber qual é o seu...

    Sinceramente,

    Ivan

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