segunda-feira, 16 de agosto de 2010

UM PARA OITO

Policial Gomes sempre foi o mais durão de todos na corporação. Gabava-se que havia nascido para combater o crime e tinha um ódio particular por traficantes e usuários de drogas. Dizia também que os maconheiros eram um tipo de doença humana e que ele era a cura, tinha visto isso num desses filmes de produção hollywoodiana. Sua cara carrancuda mais parecia uma máscara e seu andar desengonçado o deixava um pouco hilário, mas não tinha vocação nenhuma para a comédia. Quando encostava com a viatura a rapaziada tremia na base. Todos riam com o seu jeitão meio bobo, mas quando ele estava por perto os nervos iam à flor da pele, eram tapas, bofetões, chutes no rabo. Não precisava ter culpa no cartório, bastava estar por perto da boca de fumo que já era suspeito. Até seus irmãos de farda tinham certa apreensão pelo soldado Gomes, mas isso não o poupava dos deboches traiçoeiros. Em vinte anos de corporação, havia mandado sete para o “vinagre”, todos traficantes, e estava em busca do oitavo. Discurso também esse tirado em uma de suas incursões em tele seriados e filmes da tevê. Tinha uma esposa fatigada por três filhos adolescentes que lhes sugavam toda a energia. Em casa era o mesmo soldado machão e trazia todos em rédeas curtas, já havia feito o mais velho comer um “cigarrinho”.
Certo dia, voltando para casa depois de um dia monótono de trabalho, resolveu pegar carona com um colega. Veio comentando que um dia sem ação era um dia perdido e que o sangue ainda lhe fervilhava nas veias. Já perto de casa percebeu uma estranha movimentação num beco escuro. Gomes precipitou-se e saiu já com arma em punho. - “Parado aí seus vermes” - Disse. Dois garotos com grandes bonés enterrados na cabeça assustaram-se deixando o cigarro de maconha cair. Gomes percebeu que um dos garotos não lhe era estranho, aproximou-se um pouco mais e surpreendeu-se ao ver seu filho mais velho com cara de espanto e as mãos trêmulas no ar. O sangue lhe subiu e num ímpeto lançou-se em direção ao filho a fim de esbofeteá-lo. No frenesi que se instalava, deixou sua arma cair acidentalmente que, tocando no chão, disparou uma única vez dilacerando a jugular do filho. O outro saiu em disparada. Agonizando, o menino morreu em poucos segundos. No dia da missa de sétimo dia do filho, Gomes não apareceu na igreja. Sua esposa, quando voltou para casa, o encontrou pendurado. A autópsia revelou que Gomes havia ingerido 400 gramas de maconha antes de se enforcar.


Marcos Barreto

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